[Cyprinodontiformes] Limia nigrofasciata versus Poecilia salvatoris

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Quinta-Feira, 3 de Fevereiro de 2011 - 00:43:12 WET


Caros colegas,

Tal como combinado, aqui vai a minha última participação num dos fóruns :


Uma das fotos com que participarei no recente concursos dedicado aos " vivíparos " (
a n.º 18 -  Limia nigrofasciata x Poecilia salvatoris ), tem uma história na sua
origem, a qual me sinto na obrigação de partilhar convosco.
O risco de ser mal interpretado, ao concorrer com esta foto, era muito elevado, mas
foi um risco assumido e confesso-vos que estava a ser " devorado " pela ansiedade,
dado o facto de querer escrever esta mensagem só após os resultados do concurso serem
publicados.
Deixem-me, em primeiro lugar, tranquilizar os espíritos mais apreensivos e
desassossegados... assumo desde já que sou total e incondicionalmente contra os
híbridos.
Mas eles estão por toda a parte, não só em cativeiro como na natureza, em
praticamente todas as famílias de peixes conhecidas.
Quando digo que sou contra os híbridos, quero deixar bem claro que não sou
fundamentalista, pelo que me refiro evidentemente aos cruzamentos intencionais
praticados pelo ser humano, quer por acção directa e intencional, quer por
negligência evitável.
Já quanto aos híbridos naturais que não resultam de acção antrópica ( provocada pelo
ser humano ) de forma directa ou indirecta... não há nada a fazer. Eles fazem parte
do processo natural e devem ser respeitados.
Então como explicar a foto ?
Através das feromonas, essas assombrosas substâncias químicas que, quando captadas
por animais da mesma espécie, permitem um reconhecimento mútuo entre os indivíduos.
Das feromonas sexuais em particular, diz-se que são capazes de suscitar reacções
específicas de tipo fisiológico e / ou comportamental, por quem de direito ( leia-se
membros do sexo oposto ), dando origem à " loucura " que se sabe por parte daqueles
que por elas são influenciados.
Não vos consigo todavia provar se as fêmeas de Poecilia salvatoris libertam de facto
feromonas sexuais, mas que deixam os machos de várias espécies loucos por elas... lá
isso deixam.
Tive oportunidade de comentar esse facto com o nosso colega José Bentes, aquando da
nossa primeira experiência com esta espécie, há uns escassos anos atrás.
Neste exemplo foi um macho de Limia nigrofasciata que se deixou encantar pela "
sereia ", mas posso testemunhar que não foi o único nem somente aconteceu com os
desta espécie.
Felizmente, embora em tempos a espécie do macho fosse classificada como Poecilia
nigrofasciata, estão ambos suficientemente afastados para estes actos de amor não
produzirem fertilização nem o desenvolvimento de embriões.
Ainda assim, as ditas " desejadas " foram alvo da corte ( e algo mais ) por parte de
alguns cavalheiros mais improváveis, como dois machos de Skliffia multipunctatta.
Mas avencemos, porque se está a transformar num testamento este início de tópico.
A história que está na origem desta foto é a de um macho que deixou definitivamente
de ter qualquer interesse por fêmeas da sua espécie, desde que se apaixonou pelas da
espécie Poecilia salvatoris.
Nem todos os seus companheiros ficaram tão « apanhados do clima », mas o que é certo
é que na presença destas fêmeas, repartiam as respectivas atenções afectuosas entre
as da sua própria espécie e... estas da outra.
Era igualmente importante destacar que o grau de atractividade das fêmeas de Poecilia
salvatoris em relação aos machos de outras espécies era tão variável... como a
diversidade de tons de vermelho nas respectivas barbatanas dorsais, sendo que não
encontrei qualquer ligação manifesta entre a quantidade ou intensidade da cor e dos
pontos negros. A fêmea da imagem, por exemplo, exibe uma barbatana dorsal
praticamente transparente ( nisso a foto não é muito elucidativa ) e no entanto não
era nem das mais desejadas nem das mais repulsivas, quanto a despertar mais ou menos
interesse nos machos de outras espécies.
Já em relação à aceitação de machos da sua própria espécie, a história é muito
diferente.
Apesar do acasalamento furtivo com sucesso ser frequente, as fêmeas de Poecilia
salvatoris revelaram uma evidente tolerância e aceitação na cópula em relação aos
machos com a dorsal mais vermelha e as dimensões corporais mais avantajadas.
A isto os cientistas denominam como a polémica e revolucionária teoria da selecção
sexual e ( juntamente com a acção dos predadores ), diz-se que é uma das grandes
alavancas na evolução dos Poeciliídeos.
A terminar apenas uma partilha de experiência importante.

. Como regra de prata, nunca juntem muitas espécies no mesmo aquário, sobretudo se o
mesmo não for razoavelmente grande ( 200 litros ou mais ) e particularmente se
estamos a falar de Poeciliídeos ou, ainda mais, se nos referirmos a Goodeiídeos.

. Como regra de ouro... nunca juntem em parte alguma peixes de espécies diferentes
mas do mesmo género ( Poecilia, Xiphophorus, Gambusia, Micropoecilia, etc ).

Quase todas as Gambusias produzem híbridos férteis entre si e não hesitam em acasalar
com membros de outras espécies do mesmo género, sem qualquer pudor, mesmo na presença
dos do sexo oposto da sua própria.
O caso Gambusia amistadensis é paradigmático.
Esta espécie só existia numa determinada nascente do Sul do Texas, em tempos
considerada a 3ª maior do Estado ( Goodenough ), localizada na Bacia hidrográfica do
Rio Grande.
Em 1968 o seu habitat foi inundado pelas águas de uma barragem e desde aí permanece a
cerca de 30 metros de profundidade. Como resultado directo disso, predadores
introduzidos como o Achigã ( Micropterus salmoides ) ou um parente da Perca Sol, a
Perca de Orelha Vermelha ( Lepomis microlophus  ), exterminaram, em pouco tempo, toda
a população remanescente que entretanto se espalhara pela albufeira Amistad.
Em 1980 ainda existiam duas populações cativas, uma na Universidade do Texas outra
numas instalações no Novo México pertencentes ao Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos
Estados Unidos da América ou FWS ( United States Fish and Wildlife Service ), que por
sua vez é uma unidade do Departamento do Interior dedicada a preservar a vida
selvagem. 
Uma das causas de extinção da espécie Gambusia amistadensis, em 1984, foi
precisamente a " contaminação " da última população desta espécie, existente em
cativeiro... com indivíduos da espécie Gambúsia affinis. Aconselho aos mais curiosos
a seguinte bibliografia : Hubbs, C., and B.L. Jensen. 1984. Extinction of Gambusia
amistadensis, an endangered fish. Copeia 1984:529-530.
Em certos casos os híbridos entre Poeciliídeos muito dificilmente sobrevivem. Assim
se passa nos raros cruzamentos com sucesso entre Guppy ( Poecilia reticulata ) e
algumas Molinésias ( Poecilia sp ).
Noutros casos os híbridos são inférteis ou são apenas constituídos por membros do
mesmo sexo, como a fantástica clone natural Poecilia formosa ( aconselho-vos este
artigo - Balsano, J. S., E. M. Rasch and P. J. Monaco. 1989. The evolutionary ecology
of Poecilia formosa and its triploid associate, pp. 277-297. In G. K. Meffe and F. F.
Snelson, Jr ( eds. ), Ecology and Evolution of Livebearing Fishes ( Poeciliidae ).
Prentice Hall, Englewood Cliffs, NJ... ou estas duas hiperligações -
http://en.wikipedia.org/wiki/Amazon_molly e
http://www.ou.edu/schlupp/pdf/Schluppetal02JBiogeography.pdf ).
Porém há casos extremamente preocupantes ( pelo menos para mim ), em que os híbridos
são férteis, pelo que em aquário não mantenham, por favor, membros de espécies
aparentadas juntos.
Não vou aqui entrar na polémica sobre se o Endler ( Poecilia wingei ) é uma espécie
só para referir os cruzamentos com Guppy ( Poecilia reticulata ), mas não posso
deixar de vos exprimir, com uma grande mágoa, o facto de já praticamente não se
encontrarem actualmente no mercado indivíduos " puros " das espécies Xiphophorus
maculatus ( Platy ), Xiphophorus hellerii ( Cauda-de-espada ) ou Xiphophorus varitus
( Platy Papagaio ou Variatus )... bom, excepto as raríssimas importações de
populações selvagens identificadas.
É claro que esta última afirmação vai surpreender alguns e indispor muitos mais, mas
cá estou para debatermos ideias e conversarmos mais sobre o assunto, pois a mensagem
já vai efectivamente demasiado longa para um tópico.


Um abraço

Miguel Andrade





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