[Cyprinodontiformes] Machos melânicos (participação no fórum ViP)

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Sexta-Feira, 26 de Abril de 2013 - 00:00:59 WEST


Olá Miguel,

Cerca de um mês depois das Gambúsias acordarem do sono de Inverno tenho a relatar-te
algo que vai deixar-te perplexo.
Os machos nascidos no meu lago são todos do tipo dos "que têm apenas alguns salpicos
de negro".
O original "negro carregado" não resistiu ao Inverno em Portugal. A fêmea original
ainda para lá anda e já está de novo em gestação.
Suponho que nem todos estes machos sejam descendentes do original "negro carregado"
(como este aqui -
http://lh3.ggpht.com/_uMAK037S6_M/S-ioTgAoOWI/AAAAAAAANuk/SEEdHLsfdC8/s800/DSC_0184.J
PG), pois a fêmea já vinha grávida.
No entanto alguns dos machos são bastantes "descoloridos", apresentando apenas uns 2
a 3 salpicos".
Outra coisa que noto é que os salpicos aumentam à medida que se aproxima a maturidade
do macho e mesmo depois dela.
No Outono passado, antes de desaparecerem no fundo para "hibernarem", alguns escassos
machos não tinham nenhum salpico.
Ou morreram todos ou serão os tais com escasso número de manchas.
De momento não há de facto nenhum macho que não seja marmoreado (com salpicos).
A tal fêmea com salpicos que te dei conta é afinal um macho gigantesco (o maior de
todos) que embora tenha nascido no primeiro parto, ainda no Verão passado, só agora é
que atingiu a maturidade sexual, tornando-se por essa razão maior do que os outros.
Há umas linhagens apuradas em cativeiro nas quais os machos são praticamente negros e
as fêmeas ainda mais salpicadas do que os meus actuais machos:

http://www.livt.net/Clt/Ani/Cho/Ost/Ath/ath005.jpg
http://www.monsterfishkeepers.com/forums/attachment.php?attachmentid=247855&stc=1&d=1
220540789

Há um artigo gratuito sobre este assunto - A sex-linked allele, autosomal modifiers
and temperature-dependence appear to regulate melanism in male mosquitofish (Gambusia
holbrooki) - aqui: http://jeb.biologists.org/content/209/24/4938.full.pdf+html.
Ao que parece também a temperatura tem alguma influência... entre outras conclusões
muito interessantes.


Um abraço

Miguel Andrade 


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Manutenção do fenótipo melânico na Gambusia holbrooki
por Miguel Figueiredo » terça set 18, 2012 3:38 pm

Viva,

Como discutido aqui no Forum, há meses atrás fiz uma viagem de coleta à Florida onde
deparei com um curioso polimorfismo cromático em algumas espécies, incluindo killies
e viviparos:

Fundulus chrisotus, Poecilia latipinna, Gambusia holbrooki

Todas estas três espécies apresentam uma coloração dominante: prateado e vermelho nos
Fundulus, beje e amarelo nas Poecileas e prateado nas gambusias. Porém este fenótipo
principal coexiste com fenótipos melanisticos muito mais raros.
Um fénotipo melanistico corresponde à presença de pintas negras no corpo, com vários
graus de intensidade consoante o peixe mas que pode atingir extremos, com alguns
exemplares a serem praticamente negros. 
Curiosamente, a coloração base não desapare, os machos Fundulos continuam a ser
vermelhos, salpicados de negro e as Poecilias continuam a apresentar áreas amarelas,
por baixo das pintas negras.

[foto] Poecilia latipinna melânico.

Na gambusias, porém, esta coloração por está ligada ao sexo: apenas os machos são
melânicos. 

[foto] Macho gambusia melânico

Os gambusias melânicos podem dividir-se em dois grupos: os que têm apenas alguns
salpicos de negro e os que apresentam negro carregado. Desconheço se estas duas
variações dependem de genes diferentes.

[foto] Variações melânicas nos machos gambusia: simples e carregado

Esta cor melânica, tem, na gambusia, um papel importante na corte das fêmeas: Os
machos melânicos tornam-se particularmente vistosos, realçando o fundo claro por
entre as manchas negras e provavelmente contribuindo para que tenham mais sucesso
junto das fêmeas. Infelizmente, são também mais populares junto dos predadores.
O número de gambusias melânicos é sempre reduzido, rodando os 5% (um pouco como os
olhos azuis em Portugal), embora essa percentagem seja variável conforme a zona.
Na coleta de peixes, porém, como estes exemplares dão realmente nas vistas e é fácil
descobri-los, entre centenas de outras gambusias.
O grande problema em cativeiro é: como fixar o fénótipo selvagem melanístico,
certamente mais interessante. 
Eu apenas tenho machos melânicos mas como nas fêmeas este factor não se expressa, é
impossivel saber, no momento da coleta, quais terão o gene. 
A probabilidade que uma fêmea tenha o gene é de 1 em 20. Como apenas tenho 3 fêmeas,
é uma probabilidade escassa.
Adicionalmente, o gene melânico é recessivo. Isto significa que os meus machos serão
mm e as fêmeas NN ('m' de melânico e 'N' de coloração normal). 
Neste instante tenho cerca de 40 crias, algumas já com um tamanho razoável, onde
ainda não vi nenhum exemplar melânico. Como esperei dois meses antes de aproveitar
reproduções, tenho esperança que estas novas gerações sejam realmente a descendencia
dos machos melânicos e não de esperma amazenado. 
Portanto, todas estas crias devem ser descendentes das 3 femeas NN com os meus 2
machos mm:

NN x mm = 100% Nm

Ou seja, todas as crias têm um gene normal e um melanico mas como o melânico é
recessivo apresentam simplesmente a coloração normal.
Apenas voltarei a ter peixes melânicos quando cruzar a nova geração, no ano que vem:

Nm x Nm = 25% NN, 25% mm, 50% de Nm 

Neste cruzamento sairão então 25% de melanisticos mas, como cerca de metade serão
fêmeas, onde o gene não se expressa, haverá apenas 12.5% de peixes melânicos.
Com tão reduzido número de peixes com o fénotipo melânico, não será simples fixar
este caracter.
Há "truques" que posso usar:

Poderia remover todos os machos jovens e deixar a fêmeas jovens com os machos
melanicos. 

Assim, no próximo ano, a nova geração seria:

Nm x mm = 50% mm, 50% Nm

Depois separaria todas as fêmeas e aproveitaria todas as homozigóticas (as que apenas
tivessem descendencia melânica).
Teria então um grupo de peixes em que os machos seriam sempre melânicos.
Porém há um problema: Atualmente, dos dois machos adultos iniciais, apenas me sobra
um e se tentar "estrangular" desta forma a população começarei, possivelmente, a ter
deficiencias causadas pela consanguinidade.
Além disso, possuo não espaço nem tempo para manter individualmente uma ou duas
dezenas de fêmeas!
A minha intervenção, portanto, será muito menos drástica: a partir do ano que vem
vou, anualmente, retirar todos os machos não melânicos. Espero assim não afetar
excessivamente a diversidade e a percentagem de melânicos aumentará lentamente.
Se tudo correr bem, a minha previsão é que dentro de três ou quatro anos a maioria
dos machos seja melânica. 
A ver vamos.

Miguel Figueiredo
 
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Registado: segunda abr 09, 2012 3:58 am


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Re: Manutenção do fenótipo melânico na Gambusia holbrooki
por Paulo Alves » sexta set 21, 2012 11:12 am

Miguel

O processo que vais iniciar é o que os criadores fazem sempre que querem isolar e
manter uma caracteristica, cromatica ou outra, em seres vivos, quer sejam aves, cães,
peixes etc. Leva tempo. Com os Fundulus chrysotus no passado os melânicos que tinha
davam-me cerca de 20-25% de melânicos mas o Valkenburg disse-me que a percentagem
dele era maior. Suponho que é uma questão de paciência até o numero ser quase total.
Claro que o custo de tudo isto é a consguinidade mas isso é inerente à selecção de
caracteristicas desejadas.

Abraço 
Paulo Alves
 
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Registado: quinta abr 12, 2012 12:02 pm

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Re: Manutenção do fenótipo melânico na Gambusia holbrooki
por Miguel Figueiredo » domingo set 23, 2012 7:41 pm

Entretanto encontrei um jovem macho que começa a ter pintas melanicas... o que
significa que algo está errado nas previsões. A primeira geração não deveria ser
melaninca.
Penso que o presuposto incorreto é que apenas 1 em 20 femeas têm factor m.
É verdade que apenas uns 5% dos peixes são melanicos - mas como as femeas são 50% e
nunca mostram pintas, devem haver uns 10% de peixes melanicos homozigóticos. Ora se
considerarmos que o fator melanico é recessivo e portanto só se expressa quando em
machos mm, certamente haverão muitos mais peixes que têm apenas um dos genes m e
onde, portanto o factor não se expressa. A probilidade de uma fêmea ter pelo menos um
gene melanistico será talvez de 30% ou mesmo mais. 
Ora, para existirem peixes melanicos na minha primeira geração é porque pelo menos
uma das fêmeas tem o gene, o que vai dar muito jeito para fixar este factor.


Miguel Figueiredo
 
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